quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

NOVA ENTREVISTA*

Vladimir Polízio Júnior

“A Defensoria Pública de Baixo Guandu 
é exemplo para todo o Estado.”




*Reproduzida do blog vladimirpolizio.blogspot.com
Aos 41 anos, completados em 07 de dezembro, o defensor público de Baixo Guandu, Vladimir Polízio Júnior, agora “Cidadão Guanduense”, faz um balanço positivo do crescimento da Defensoria na cidade, que atende cerca de 70 pessoas por semana. Nesta entrevista, ele fala sobre as ações civis públicas que divulgaram positivamente o município de Baixo Guandu por todo o Brasil. Ele destaca que muito ainda pode ser feito, e que seu objetivo é transformar o trabalho desenvolvido aqui em exemplo a ser seguido pelos outros municípios: “Estamos no caminho certo”, frisa o defensor.
Vladimir destaca também os processos de maior repercussão na mídia, como as ações civis públicas sobre os prazos dos SUS, remédios, ensino público, segurança, meio ambiente, e até mesmo contra a própria Defensoria.
O professor Vladimir revela ainda que vai retornar à faculdade depois de um ano todo sem lecionar. “Algo que senti muita falta em 2011 foi da vida acadêmica, porque havia muito tempo em que eu não ficava um ano inteiro sem lecionar”.

O Guanduense – O senhor está há quase um ano a frente da Defensoria Pública de Baixo Guandu, e agora já recebeu inclusive o título de “Cidadão Guanduense” (iniciativa do vereador José Maritaca, aprovada por unanimidade em novembro). Essa homenagem da Câmara Municipal é um reconhecimento ao seu trabalho nesses doze meses com defensor público?
Vladimir Polízio Júnior – No final de janeiro, se Deus quiser, completarei meu primeiro ano na Defensoria Pública e meu primeiro ano de Baixo Guandu. Fiquei muito feliz e agradecido pela iniciativa do vereador José Maritaca, e de todos os vereadores que aprovaram a homenagem, mas tenho consciência de que isso aconteceu pelo trabalho que vem sendo desenvolvido pela Defensoria. Muita coisa aconteceu neste período. Quando cheguei, eu estava sozinho, numa salinha pequenina aqui no Fórum. Bem, ainda estamos no Fórum, mas num espaço maior, e hoje a Defensoria conta com a colaboração de 03 estagiários. Hoje realizamos uma média de 70 atendimentos por semana, o que não é pouco. O volume de atendimento cresceu, mas muito ainda pode, e deve, ser feito.
O Guanduense – O que, por exemplo?
Vladimir Polízio Júnior – A Defensoria pode ser utilizada preventivamente, como, por exemplo, atuando junto aos empresários que atuam no comércio, explicando quais os direitos dos consumidores e quais as sanções para alguns comportamentos que são praticados, talvez por desconhecimento mesmo. Essa atuação poderia prevenir situações que causem danos aos consumidores e, por outro lado, pode também ser benéfica aos próprios empresários, que podem evitar o desgaste de enfrentar processos judiciais e de pagar indenizações. É que a Defensoria Pública não pode ser vista apenas como “a defensora dos pobres”. Sua função é maior, é preservar o Estado Democrático de Direito, e isso pouca gente sabe. Evidente que a Defensoria atua em favor do hipossuficiente, daquele que não tem condições de pagar os serviços de um advogado, o que a lei presume seja todo aquele que não ganhe mais que 3 salários mínimos. Mas a própria lei estabelece que a Defensoria deve atuar em favor dos chamados grupos “vulneráveis”, que são aqueles presumidamente mais carentes de uma proteção do Estado, como as crianças e adolescentes, os idosos, as pessoas com necessidades especiais, as mulheres etc. Nesse caso, pouco importa a renda, porque a lei diz que merecem uma proteção especial. Como eu disse, a Defensoria deve proteger o Estado Democrático de Direito, e essa prerrogativa da lei gera uma responsabilidade muito grande que, infelizmente, ainda não foi assimilada pela Defensoria Pública em geral.
O Guanduense – Qual o balanço que se pode fazer, então, da Defensoria aqui no Guandu neste último ano?
Vladimir Polízio Júnior – O mais positivo possível! Sem dizer nos atendimentos individuais, que em média ultrapassam os 70 por semana, propusemos diversas ações coletivas, que têm repercussão num número indeterminado de pessoas, e o resultado não poderia ser melhor. Como exemplos há a ação civil pública contra o Estado, onde nós exigimos que todo o paciente do SUS aqui no Espírito Santo fosse atendido no mesmo prazo estabelecido por uma Resolução da ANS (Agência Nacional de Saúde) para os planos de saúde. É que a lei estabeleceu dois prazos, como se houvesse um cidadão de 1ª linha, que teria direito a um prazo de até 21 dias para qualquer procedimento médico que fosse necessário, com plano de saúde particular, e outro de 2ª linha, sem importância, que poderia esperar anos por um exame médico, com plano de saúde do SUS. E pedimos também que o medicamento que o médico determinasse fosse fornecido pela farmácia popular, sem complicação, para que o paciente não se sentisse mais humilhado e prejudicado. Nesse processo, depois de uma manifestação maravilhosa do Promotor de Justiça, Dr. José Eugênio, que reconheceu a precariedade do serviço de saúde estadual e que a população merece um tratamento digno e com respeito, o juiz de direito Dr. Roney Guerra Duque concedeu uma medida liminar, com validade para todo o Estado do Espírito Santo, mandando que o SUS seguisse os prazos da resolução da ANS e que os medicamentos fossem fornecidos. Essa decisão foi pioneira no Brasil, e estimulou diversas outras ações semelhantes em outros estados. E tudo surgiu em Guandu, o que deve ser motivo de orgulho para todo guanduense. Bem, infelizmente, o Estado recorreu da decisão e o Tribunal suspendeu os efeitos da liminar. No final deste mês de janeiro, ou no início de fevereiro, acredito que o mérito desse processo será julgado, e teremos uma possibilidade inédita de termos a primeira sentença favorável nesse sentido no Brasil.
O Guanduense – Não houve outra sentença ainda sobre essa questão de prazos nos atendimentos dos SUS na justiça brasileira?
Vladimir Polízio Júnior – Não com base no que dissemos no processo. É que a ANS estabeleceu uma resolução poucas semanas antes da propositura da nossa ação civil pública estabelecendo prazos para que os planos de saúde privados realizassem os atendimentos e procedimentos médicos. Com base nisso, e na recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que permitiu a união homoafetiva, com o argumento de que não se pode tolerar qualquer forma de discriminação no Brasil, fizemos a seguinte indagação: “Ora, se há prazos para que as pessoas com planos de saúde privados sejam atendidas, as que dependem do SUS são discriminadas porque nenhum prazo há em seu favor. E isso seria inconstitucional”. Essa é a base da nossa argumentação. E a primeira ação civil pública a discutir esse tema na justiça brasileira, é nossa.
O Guanduense – Isso é motivo de orgulho para os guanduenses, não?
Vladimir Polízio Júnior – Claro. Na verdade, é motivo de orgulho para todo o capixaba. É um exemplo daqui para o Brasil. E como eu disse, em outros estados já foram apresentadas ações semelhantes que se basearam justamente na nossa ação proposta no Guandu. Com uma sentença favorável, acredito que surgirá uma excelente oportunidade para uma discussão séria a respeito do serviço público de saúde.
O Guanduense – Existem outras ações civis apresentadas pela Defensoria?
Vladimir Polízio Júnior – Sim, existem outras contra o Estado em que se discute a qualidade do ensino público e a contratação de professores temporários ao invés da realização de concurso para a valorização do magistério. Temos uma em que se discute a falta de policiais na cidade, sobretudo na Polícia Civil. Há também outras em que se levantam questões ambientais, como a proteção da mata ciliar ao longo do Rio Guandu e da rodovia que vai a Afonso Cláudio.  
O Guanduense – Pode a Defensoria apresentar processos sobre esses assuntos?
Vladimir Polízio Júnior – Não só pode como deve. E só não fazemos mais porque não temos condições humanas e materiais. Entretanto, ainda com todas as nossas dificuldades, sem dúvida a propositura de ações civis públicas, que são chamadas de “ações coletivas”, são importante meio de proteção dos direitos inerentes à cidadania.
O Guanduense – E contra o município, alguma ação civil pública?
Vladimir Polízio Júnior – Sim. A Defensoria entrou com um pedido para que todo o esgoto da cidade seja tratado antes de ser lançado no rio, como forma de proteção ao meio ambiente. Esse caso é interessante, porque pode constituir um exemplo a ser seguido por outros municípios capixabas e brasileiros. Temos conversado com a prefeitura, e há a possibilidade de firmarmos em breve um Termo de Ajustamento onde o município se compromete em tratar todo o esgoto antes de despejá-lo no rio.
O Guanduense – Seria um grande avanço na saúde pública...
Vladimir Polízio Júnior – Sim. E isso pode desencadear um efeito cascata, onde os municípios copiem o exemplo daqui e firmem compromissos, seja com a Defensoria ou com o Ministério Público, de tratarem seus dejetos antes de lançá-los nas águas dos rios. A natureza, sem dúvida, agradece.
O Guanduense – Houve também um processo contra a própria Defensoria, não?
Vladimir Polízio Júnior – Ah, essa ação civil também é contra o Estado. É que todas as pessoas potencialmente assistidas pela Defensoria, como os hipossuficientes e os vulneráveis, têm o direito constitucional de ter um defensor público. Não é um simples “favor” do Estado, e sim uma obrigação. E quando o Estado não faz isso corretamente, quando não prioriza disponibilizar esse direito constitucional àquele que precisa desse serviço, gera uma lesão imensa a uma garantia estabelecida nas cláusulas fundamentais da nossa Constituição. No nosso Estado, infelizmente, o governo peca em não fornecer àqueles que têm esse direito um acesso à Justiça por meio da Defensoria. No Guandu, por exemplo, existe somente um defensor público: se duas pessoas forem litigar e não tiverem condições de contratar advogado, apenas a que primeiro procurar a Defensoria será acompanhada pelo defensor; a outra deverá combinar com um advogado, ao qual o juiz, ao final do processo, estabelecerá quanto aquele advogado vai receber pelo trabalho. Acontece que ela teria direito, pela Constituição Federal, a um defensor público. Contra essa omissão do Estado é que a ação foi apresentada.
O Guanduense – Algum projeto especial para 2012?
Vladimir Polízio Júnior – Eu tenho como objetivo transformar o Núcleo da Defensoria Pública de Baixo Guandu em referência para o Estado. Acredito que estamos no caminho certo para isso.
O Guanduense – E na vida particular, algum projeto especial ?
Vladimir Polízio Júnior – (risos) Bem, vou voltar à faculdade. Algo que senti muita falta em 2011 foi da vida acadêmica, porque havia muito tempo em que eu não ficava um ano inteiro sem lecionar. Isso será resolvido em 2012, porque vou dedicar 2 ou 3 dias por semana para dar aulas na faculdade de Direito.
O Guanduense – Faz alguns meses o senhor contou que tinha alguns projetos literários, e que inclusive havia acabado um livro sobre o Código Florestal. Alguma novidade nesse campo?
Vladimir Polízio Júnior – Bem, o Código eu havia preparado com base no texto aprovado pela Câmara, e imaginava que o Senado demoraria para votar as modificações, mas tudo deu errado. No final do ano o Senado votou e o texto voltou para a Câmara para revisão. Estou adequando as modificações, mas só vou remeter para a gráfica depois que a presidente sancionar a nova lei. Os demais estão em fase de finalização, e talvez essa etapa de arremate seja a mais demorada. Mas escrevo, todas as semanas, artigos sobre algum tema jurídico relevante, que são divulgados em alguns jornais e disponibilizados para quem quiser no http://vladimirpolizio.blogspot.com/